Em busca de protocolos mais seguros, eficientes e compatíveis com o funcionamento fisiológico do sistema neuromuscular, o professor João Luiz Quagliotti Durigan, da Universidade de Brasília (UnB) — especialista em neurofisiologia do movimento e reconhecido no 4º Prêmio FAPDF de CT&I, onde conquistou o terceiro lugar na categoria Pesquisador Destaque – Ciências da Vida — desenvolveu um estudo aprofundado sobre como diferentes tipos de corrente e larguras de pulso influenciam o recrutamento muscular e os mecanismos centrais e periféricos de fadiga. A pesquisa foi viabilizada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF).
O aperfeiçoamento dos protocolos de estimulação elétrica neuromuscular (EENM) é um dos desafios centrais da reabilitação fisioterapêutica. Embora amplamente utilizada para ganho de força, preservação muscular e recuperação funcional, a técnica ainda enfrenta obstáculos importantes, especialmente relacionados à fadiga precoce e ao desconforto do paciente.
“A literatura sugeria que os pulsos largos poderiam favorecer o recrutamento via medula espinhal, produzindo menos fadiga, mas quase todos os estudos anteriores testavam apenas correntes monofásicas, que são desconfortáveis e pouco usadas na clínica”
João Luiz Durigan, professor e pesquisador
A proposta surgiu de lacunas identificadas pela própria equipe coordenada por Durigan em uma revisão sistemática liderada pelo laboratório, que classificou a qualidade da evidência disponível como “muito baixa”. Para produzir dados conclusivos, a UnB desenhou um ensaio clínico rigoroso, comparando correntes monofásicas e bifásicas aplicadas com pulsos curtos e pulsos largos.
“A literatura sugeria que os pulsos largos poderiam favorecer o recrutamento via medula espinhal, produzindo menos fadiga, mas quase todos os estudos anteriores testavam apenas correntes monofásicas, que são desconfortáveis e pouco usadas na clínica”, explica o professor. “Precisávamos entender se equipamentos comuns poderiam oferecer os mesmos benefícios neurofisiológicos com mais conforto.”
Na eletroestimulação, pulso significa o tempo de duração de cada estímulo elétrico enviado ao nervo ou ao músculo. Pulsos curtos (de microssegundos) ativam diretamente os axônios motores — extensões dos neurônios que funcionam como fios condutores, levando o comando da medula espinhal até o músculo — gerando força rápida, porém acompanhada de maior fadiga. Já os pulsos largos, que duram entre 1 e 2 milissegundos, conseguem recrutar fibras sensoriais que desencadeiam o reflexo medular, produzindo contrações mais fisiológicas, distribuídas e resistentes à fadiga.
Novas formas de eletroestimulação
O ponto de partida da pesquisa foi o reconhecimento de que a EENM convencional, que utiliza pulsos curtos, recruta fibras musculares de maneira pouco fisiológica. No funcionamento natural do corpo, o sistema nervoso segue o princípio de Henneman, recrutando primeiro fibras menores e resistentes à fadiga antes das fibras maiores e mais fatigáveis. Mas na estimulação elétrica tradicional isso não acontece: os pulsos curtos ativam diretamente axônios motores, produzindo contrações intensas, porém rapidamente fatigantes.
A literatura indicava que pulsos largos poderiam ativar fibras sensoriais do tipo Ia (responsáveis por detectar o alongamento do músculo e iniciar o reflexo medular ), acionando o Reflexo-H, que passa pela medula espinhal antes de retornar ao músculo. Esse caminho gera um padrão de recrutamento mais próximo do fisiológico, reduzindo a fadiga.
“Entender a diferença entre via periférica e via central era crucial”, afirma o pesquisador. “O que queríamos descobrir era: qual combinação de corrente e largura de pulso oferece mais força, menos fadiga e maior conforto? E isso vale para reabilitação ortopédica, neurológica, esportiva e geriátrica.”
Análise da fadiga muscular
A equipe adotou um delineamento cruzado e randomizado, no qual cada participante é comparado consigo mesmo. Esse tipo de desenho elimina variações individuais como limiar de dor, impedância da pele ou diferenças fisiológicas, elevando a precisão dos resultados. Os participantes não sabiam qual corrente estavam recebendo, o que evita influências subjetivas no desempenho e na percepção de desconforto.
A combinação metodológica foi um dos pontos fortes do estudo. Ao mesmo tempo, foram registrados:
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Reflexo-H, que indica ativação pela via central;
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Onda-M, que reflete ativação direta do músculo (via periférica);
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EMG (eletromiografia), que revela a atividade elétrica muscular;
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Torque evocado, que mede a força provocada pela corrente elétrica;
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CVIM, avaliada antes e depois da estimulação, para medir perda de força;
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Sensação de desconforto, registrada por escala analógica.
O conjunto forma um quadro claro: o Reflexo-H mostra o quanto o sistema nervoso central está engajado; a Onda-M revela a contribuição periférica; o torque e a CVIM mostram o impacto funcional; e a EMG indica o comportamento elétrico do músculo durante a fadiga.
“Queríamos um mapa completo da fadiga”, complementa o professor. “Não basta saber se o músculo cansa. É preciso saber onde ele cansa — no nervo, no músculo ou na medula — porque cada origem exige uma estratégia diferente de tratamento.”
Para garantir reprodutibilidade, o estudo padronizou posicionamento dos eletrodos, temperatura, horário do dia e incluiu um protocolo de familiarização para que o desconforto inicial não contaminasse os resultados.
O que os resultados podem mudar